Todos estão assustados com a investida dos grandes meios de comunicação em não poupar nos cortes e colocar na rua a única coisa que pode fazer um meio de comunicação funcionar: os jornalistas. Os motivos vão desde a tradicional redução dos gastos até as teorias de oportunismo frente a um alinhamento mais voltado para o bem-estar dos acionistas do que para a qualidade do canal em questão.
Há uma crise no jornalismo? Muito afirmam que não. Acredito que a crise é, dependendo do ponto de vista, facultativa ao jornalismo. O modelo de negócio de uma empresa de jornalismo, os posicionamentos políticos dos empresários que comandam o veículo ou até mesmo o local em que aquele jornalismo é produzido são fatores que impactam diretamente o modo como as notícias são produzidas dentro daquele jornal. Portanto, a crise é, sim, também do jornalismo.
“Mas e os princípios da profissão?” Essa pergunta seria interessante e até poderia ser um respaldo para afirmarmos que a crise é do jornal, não do jornalismo. Aliás, até compartilho dessa visão, mas em um momento em que grandes veículos estão se limitando a uma produção jornalística banal e sem sentido, onde o único intuito é gerar visualizações de páginas, muitos das preces básicas desse segmento de mercado já foram sacrificadas.
Se demitiu 100, amanhã demitirá 300
Sim, segmento de mercado. O jornalismo faz parte de um sistema onde empresas geram valor e consumidores adquirem esse valor. Nós, jornalistas, ficamos no meio desse diálogo e somos os grandes responsáveis por essa geração e entrega de valores. Por isso, assim como um modelo de negócio falido pode prejudicar a qualidade do jornalismo, a má condução do veículo pode prejudicar a carreira dos jornalistas.
Explico. Se um jornal vai mal por não ter mudado seu modelo de negócio – que por muito tempo vingou –, uma hora ele irá fazer reajustes. Esses reajustes são mais ou menos radicais, dependendo diretamente de como esse jornal ou veículo se comportou nesses mais de 15 anos de internet comercial no país. Agora, se juntarmos um modelo de negócio pra lá de tradicional com um medo irracional aos meios digitais, o resultado que conseguiremos é a demissão de dezenas de jornalistas. Se adicionarmos a tudo isso a falta de preparo de muitos jornalistas para com o ambiente digital, a crise passa dos jornais para os jornalistas.
Entendeu? Se a empresa vai mal, o jornalismo vai mal, não tem recursos e nem argumentos satisfatórios para convencer os acionistas que o trabalho de um jornal é gerar informação, conteúdo, credibilidade, reputação e que o dinheiro é só consequência. Não dá para explicar com pontos sólidos que uma planilha do Excel não irá resolver o problema da empresa. Se hoje ela demitiu 100 e continuou com a mesma postura, amanhã irá demitir mais 300. E é exatamente isso que estamos observando nos maiores veículos de comunicação do país. A planilha do Excel tem dado voz dentro das redações sendo muito mais útil, no ponto de vista da empresa, do que jornalistas gabaritados e com uma experiência ímpar.
Base estrutural
Prensados contra o muro estão os jornalistas que não souberam evoluir ou que encaravam a mídia digital como uma inimiga maligna do jornalismo e que precisava ser combatida. Se antes o sonho de muitos jornalistas era o de trabalhar em grandes veículos, hoje o sonho de muitos jornalistas é trabalhar em grandes veículos ou criar um canal independente que possa suprir determinados nichos não explorados convencionalmente.
Acontece que os jornalistas, assim como a maioria dos brasileiros, foram educados para serem empregados, funcionários da notícia, e jamais líderes ou patrões. Jornalistas têm medo de ousar e pisar fora da caixa. Alguns jornalistas usam até hoje máquinas de escrever, pois levantam uma tese absurda de que os meios digitais estão destruindo a profissão. Errado! Quem está destruindo a profissão é o próprio jornalismo – e os jornalistas – que sempre se recusaram a mexer em time que estava ganhando.
Explico novamente. Quem está destruindo os jornais (profissão) são as empresas de comunicação que não quiseram mudar de postura e, principalmente, os jornalistas, que mesmo após serem demitidos não procuram sair da mesmice. Empreendedorismo, design, inovação, estatística, dados e programação são apenas alguns dos novos módulos pertencentes ao jornalismo moderno e que têm tudo para se aperfeiçoar, encontrar seu espaço e, como sempre, servir de base estrutural para a tomada de decisões de uma sociedade. Com o digital, o jornalismo redobra o seu papel de prestador de serviços, porém isso não pode ficar limitado a um modelo de negócio ou a profissionais que não adquirem novas visões.
Um novo ambiente
A crise é do jornalismo quando em âmbito empregatício, mas é fundamentalmente uma crise dos jornalistas quando em âmbito de renovação. Se a válvula que faz com que o jornalismo funcione não quer mudar, o jornalismo em si não irá mudar. Se quem prega transformações não quer transformar, iremos daqui pra frente encontrar mais e mais colegas que produzirão notícias sobre demissões em massa, queda na circulação de impressos e, principalmente, sobre a inércia dos profissionais da imprensa.
É possível criar um novo ambiente que transpire inovação e, principalmente, jornalismo. Ou você pode ser o último que irá apagar a luz quando sair, ainda mais depois de ter conduzido por mais alguns meses ou anos três ou quatro tarefas diferentes com o mesmo salário de quando fazia apenas uma. Que lado você vai escolher?
Texto no Observatório da Imprensa.