Quem é o jornalista no mundo digital? Para o jornalista francês Jean-François Fogel, em um mundo altamente conectado como o nosso, é jornalista quem o público decidir que é jornalista. A provocação tem um fundo de verdade bem sólido, mas sua disseminação como “tendência” varia muito de contexto para contexto, de país para país, de realidade para realidade.
“Antigamente”, ou seja, há pouquíssimos anos atrás, um jornalista tinha como característica base o uso de determinadas ferramentas que o transformam em uma espécie de caricatura, ora com câmeras, ora com gravadores, ora com microfones e bloquinhos de papel. Havia, ainda, outro fator fundamental, que era a “carteirada”, ou seja, dependendo do local onde esse jornalista trabalhava ele podia ser colocado por muitos como um profissional de melhor qualidade, mais famoso ou mais polêmico.
Entretanto, no mundo digital tais ideias acerca do profissional de imprensa já não estão com essa bola toda. Voltemos para a pergunta inicial: quem é o jornalista no mundo digital? A resposta é tão imediata quanto complexa: todos, pois todos podem ser. Isso significa, na prática, que pessoas “comuns” – que até então não tinham qualquer contato com esse universo – acabam se tornando tão importantes quanto jornalistas “tradicionais”. Aos olhos de quem? Aos olhos daquilo que é mais sagrado para o jornalismo: o seu público.
Filmes caseiros
Não é de hoje que especialistas em jornalismo digital apontam que a era dos grandes conglomerados de comunicação tem perdido espaço para um cenário onde a marca pessoal do jornalista tem tido mais peso e significância do que o logo em seu crachá. E essa marca pessoal vale tanto para o jornalista profissional, formado ou não nessa área mas que já atuava de maneira significativa, quanto para aquele que usa das ferramentais digitais para explorar nichos rejeitados pela grande imprensa e acaba conquistando uma parcela significativa de leitores, telespectadores ou ouvintes. Ou tudo junto e misturado, pois o jornalismo multimídia praticado pelos jornalistas que vêm atuando de modo independente extrapola qualquer limite engessado pelos tradicionais formatos.
É possível fazer uma analogia do que vem acontecendo com o jornalismo com o que já acontece há um bom tempo com a indústria pornô. Calma lá, eu explico.
O maior concorrente das grandes empresas que atuam no ramo de filmes eróticos e pornográficos tem ganho novos contornos nos últimos anos. Uma empresa de filmes adultos não teme mais somente sua concorrente direta, ou seja, outra empresa de filmes adultos, mas sim, os filmes caseiros. Como? No lugar de filmes produzidos por uma determinada empresa, com marca reconhecida e atrizes famosas, esse público tem voltado sua atenção aos filmes caseiros, feitos com celulares, de modo improvisado, simples e, principalmente, com “atores” da vida real. Uma disputa desleal, já que se compararmos o gasto de um filme pornô com um filme caseiro, o primeiro precisou de grandes cifras (estúdio, atrizes, equipamento, distribuição etc.). Já o segundo precisou apenas da boa vontade dos envolvidos.
Fazer por merecer
Como isso se encaixa no jornalismo? No lugar de acompanhar os grandes meios de comunicação, o público tem voltado sua atenção para blogs independentes, vloggers com grande influência, podcasts sobre os mais variados assuntos e até mesmo portais mantidos por profissionais que atuavam na chamada imprensa tradicional e que decidiram migrar toda sua bagagem para atuações mais “autônomas”. Ou seja, na prática, com toda essa parafernália digital espalhada por aí e ao alcance de todos, fazer jornalismo nos grandes meios continua caro e, principalmente, engessado, enquanto fazer jornalismo “autônomo” pode custar dezenas de vezes menos, além de contar com o fato de que, quando trabalhado de forma independente, o canal pode ir “além”, ousando mais e até mesmo ouvindo mais seu público.
Entretanto, apenas em um ponto chego a ser mais receoso: a credibilidade dos grandes meios ainda não está abalada. Se pegarmos como referência as principais emissoras e jornais do país que foram duramente criticados durante as recentes manifestações ocorridas no Brasil, e comparamos com as mídias independentes que pipocaram na mesma época, ainda assim não há embasamento para afirmar que a imprensa tradicional perdeu credibilidade. Ao contrário, pelo menos por aqui ela ainda mantém certo nível de integridade e respeita as regras do jogo jornalístico de uma maneira mais clara do que alguns canais que se julgam independentes.
No mais, o que vale como lição é que, sim, a marca pessoal dos jornalistas – e não jornalistas – tem ganho notoriedade em um ritmo muito mais acelerado do que o ritmo dado pelos grandes veículos quando o assunto é inovação no jornalismo, sobretudo no digital. Vale o alerta para que as empresas reflitam sobre seus caminhos e vale o incentivo para aqueles que pretendem contribuir para o aumento no número de jornalistas eleitos pelo público. Quem quer ser jornalista, mais do que nunca, tem que fazer por merecer. O público está de olho.
Texto no Observatório da Imprensa.