O caso da venda do Washington Post a Jeff Bezos, fundador da Amazon, por 250 milhões de dólares, fez com que alarmistas e ativistas, mais uma vez, começassem a travar guerras de bandeiras. De um lado há os que já dão como morto o jornalismo como um todo, mesmo sem possuírem a mínima noção de que para uma nação ser democrática e sólida ela precise de uma imprensa livre. Do outro lado há os que acusam os jornais de estarem perdendo seus valores frente aos novos donos multimilionários.
Bom, é preciso fazer uma reflexão mais lenta sobre esse fato, já que em muitos casos é necessária uma digestão mais ruminante sobre um assunto para poder compreendê-lo em sua magnitude, como é o caso Washington Post. Outro ponto importante é que alguns mitos mesclados com opiniões fervorosas e medos inexplicáveis podem contribuir de maneira negativa para o andar das discussões.
O dinheiro por si só não irá salvar o jornalismo. Aliás, salvar o jornalismo? Mas salvá-lo de que? O jornalismo não está morto e muito menos está em uma UTI com graves sequelas. O jornalismo passa, sim, por um momento delicado, assim como qualquer outra empresa de qualquer outro ramo já passou ou irá passar algum dia. Não há uma única ramificação de mercado que não esteja sujeita aos empecilhos econômicos. O jornalismo, por ser uma empresa, se encontra nessa situação exatamente agora.
É a vez de um criador
Os sintomas são fortes, há efeitos colaterais e possivelmente iremos ver óbitos de um ou outro título. Talvez muitos óbitos. Porém a compra de meios do jornalismo por parte dos multimilionários nos obriga a refletir dois pontos estruturais. O primeiro trata da compra propriamente dita. Multimilionários são multimilionários porque são empresários de sucesso, que já erraram e acertaram muito e, em algum momento da vida, os acertos foram maiores que os erros. Empresários são pessoas de negócios altamente capacitadas para apontarem o dedo e afirmarem com uma exatidão quase científica que um determinado ramo pode dar lucros e se transformar em um fértil mercado. Empresários multimilionários não iriam apostar no jornalismo se não projetassem algo positivo daqui para frente.
O segundo ponto a ser levantado tem relação com o dinheiro. Muitos afirmaram que Bezos irá investir dezenas de milhares de dólares na sua nova aquisição e por isso o Washington Post acabaria se tornando uma potência ainda maior e com ainda mais prestígio. Engano. Pobre engano. O mais interessante dessa história é observar que quem comprou o jornal foi um empresário bem-sucedido do ramo da informática, do digital. A maior contribuição de Bezos para com o jornalismo não será através de dinheiro, mas sim, inovação. Multimilionários possuem muito dinheiro, mas possuem também uma capacidade de atuação que muitas vezes chega a ser incomparavelmente mais ousada do que os tradicionais donos de jornais e suas famílias que por gerações comandaram o periódico. O jornalismo precisava de mudanças, de um respiro, de novos ares para poder continuar sendo um dos pilares fundamentais da sociedade.
Entretanto, essa renovação não iria vir apenas das vertentes econômicas (dinheiro). Essa transformação deveria ser mais profunda, mais estrutural, sem, é claro, mexer com os valores e os princípios do jornalismo. Mas ainda assim uma mudança profunda, em alguns casos até radical. Bezos não criou a Amazon para ser apenas uma loja online. Bezos criou toda uma mudança de paradigma no mercado de varejo que fez com que a Amazon entrasse para a história. É a vez de um criador, de um inovador fazer isso com o jornalismo. O Post é um dos mais prestigiados jornais investigativos do mundo, mas já estava mais do que na hora de receber uma boa dose de adrenalina para subir essa ladeira que tende a incomodar um veículo jornalístico: como fazer dinheiro vendendo ideias, fatos e opiniões? Talvez Bezos tenha novas respostas.
Texto no Observatório da Imprensa.